"Como é vão sentar-se e escrever se você não se levantou para viver!
(Henry D. Thoreau)"


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Olho por Olho

Na sexta-feira passada, 31, um fato que ocorreu na zona sul carioca ganhou repercussão nas redes sociais.
Vamos aos fatos. Um adolescente negro foi espancado, amarrado pelo pescoço com um cadeado de bicicleta e deixado lá, nu.

O comentário da jornalista do SBT Rachel Sheherazade e seus ecos foram o que me motivaram a escrever sobre o assunto.  Em seu comentário, a jornalista inicia suas palavras de forma preconceituosa e irônica: “O marginalzinho  amarrado ao poste era tão inocente...” e finaliza lançando uma campanha: “faça um favor ao Brasil, adote um bandido!”, ridicularizando os defensores dos direitos humanos.
Os comentários que acompanhei via internet, em vários sítios, eram diversos. No entanto, assustou-me a grande parcela que apoiava a ação dos “justiceiros” e aplaudia o comentário descabido e infeliz da apresentadora.
Primeiramente, quero deixar bem claro que sou a favor da legítima defesa ao cidadão, bem como a liberação ao porte de arma aos civis. Isso pode soar estranho aos mais desinformados. Mas explico melhor: a defesa é um direito inato ao cidadão, garantida constitucionalmente; quanto ao uso de armas de fogo para tal defesa de direito, depois escrevo melhor sobre o assunto, mas já adiantando a conclusão a respeito, o desarmamento civil não diminuiu índices de criminalidade em NENHUM país do mundo.
Não, eu não sonho com uma sociedade na qual todos portem uma arma e na menor das intrigas resolva o problema com dois disparos.  Quero uma sociedade que tenha Estado (justo e igualitário) e povo (não plateia).

Voltando ao caso do menor negro. Se ele roubou ou teve a tentativa de furto frustrada, estava errado? Claro, óbvio, sem sombra de dúvidas! Isso dá o direito de um grupo de jovens de classe média, autointitulados de “justiceiros da moto” pegaram o adolescente negro, o espancarem e o amarrem nu em via pública? É mais que notório que NÃO!
Ah, mas o cara estava errado, infringindo a lei, é um preto vagabundo, favelado - diriam os desmiolados com cultura e senso crítico formados a partir de novelas e realitys shows.
A questão é complexa, delicada e requer uma análise profunda dos fatos, ações e consequências.
Não vou buscar o histórico de vida desse adolescente preto (preto é cor, negro é eufemismo para preconceito encubado!). Não vou dizer que são altas as chances de ele não ter tido acesso a estudo público de qualidade, que o Estado se omitiu quando ele, talvez, tenha sofrido violência policial ou que, quem sabe, ele pode ter se sentido um sub-humano quando um dia tentou seguir o caminho reto e foi ridicularizado e humilhado por ser negro e estar vendendo queijinho ou óculos falsos nas praias e calçadas de Copacabana, depois de gastar 4h do dia só para sair e voltar para “casa” no eficiente transporte público brasileiro. Esse mesmo preto que talvez não tenha pais. Pode ter perdido o pai que, ao voltar pedalando para casa, foi atropelado por um filho de um (ex?) bilionário e quem sabe sua mãe morreu de dengue na fila do SUS.  Talvez ele tenha se cansado de assistir aos familiares perderem suas vidas em desmoronamentos, à espera da chegada do Programa Minha Casa Minha vida (irônico, não?!). Ou quem sabe os avós desse preto desgraçado, marginalzinho – como diria Rachel Sheherazade - , tenham saído do agreste sertanejo nordestino cansado da ausência do Estado, da fome, da sede. E quem sabe, por um milagre de Deus, esse pobre preto possa um dia ter tido um momento de reflexão ao ler que o Governo Brasileiro investiu, em Cuba, mais de 2 BILHÕES com o Programa mais Médicos e na construção do Porto de Mariel. Quem sabe esse preto tenha entendido que Cuba, país socialista, é um bom lugar, porque o Governo está “investindo” lá, e não aqui, nosso dinheiro. Quem sabe ele tenha pretendido não roubar, mas como dizem os socialistas: dividir riquezas.
Não, eu não tenho a intenção de sensibilizar ninguém. O que quero é que o cidadão pense, analise e reflita antes de comentar: “bandido bom é bandido morto”, “menos um”, “vai roubar no inferno”,  “senta no colo do capeta”...  Repito, ele estava errado ao cometer uma infração? Sim! Mas isso não dá o direito de ninguém, além do poder judiciário, julgá-lo. Isso não dá o direito de três ou quatro pessoas que tiverem, talvez, uma infância confortável, regada a todinho e que elaboram o conceito de justiça por meio de horas e horas assistindo Liga da Justiça e Capitão América a captura-lo, espanca-lo e amarra-lo nu na rua. Isso é volta à barbárie. Isso é inaceitável.
Quanto ao comentário infeliz e néscio da apresentadora do SBT, constitui, em minha opinião, um desfavor à sociedade. Estudo e instrução ela tem, claro. Se quisesse, poderia levar o assunto a uma análise mais profunda e procurar soluções e alternativas aos problemas ao invés de parabenizar os criminosos que fizeram “justiça” com as próprias mãos. Sim, criminosos, infringiram o artigo 129 do Código Penal Brasileiro.
Vai uma reflexão aos que apoiam a iniciativa dos “justiceiros”. Eles viram uma infração sendo cometida, certo? Em suas mentes, julgaram aquilo errado e instantaneamente resolveram agir, certo? Subiram em suas motos e deram uma “lição” naquele preto infeliz.  Já pensaram se essa onda se propaga?
Eu fico extremante chateado quando alguém não apto/licenciado estaciona em vaga destinada a deficiente físico. O que eu devo fazer? Descer do carro, esmurrar a cara do cidadão, quebrar suas pernas, deixa-lo paraplégico  e ensinar, desse modo, que não se deve estacionar em vaga para deficiente?
Ou quando vejo alguém bebendo e dirigindo, devo atropelá-lo, descer do carro, pegar uma garrafa de vodca, batê-la inúmeras vezes em sua cabeça e dizer que não se pode beber e dirigir?
Entende que o problema é grave? Ao se aceitar e apoiar esse tipo de conduta, abre-se espaço para condutas diversas e divergentes. Isso porque a justiça com as próprias mãos parte de um julgamento particular, íntimo e sem base legal. E, obviamente, cada cidadão tem um julgamento diferente.
Gostaria de ver “justiceiros” cerceando a casa de políticos corruptos, amarrando, espancando líderes de desviam dinheiro da merenda escolar, do SUS, da Segurança Pública...
Bater em preto  pobre que rouba bicicleta é fácil, né? Combater quem rouba a Nação há milhares de anos, ah... deixa pra lá. Rouba mas faz. Logo tem Copa, vamos nos divertir!!! Opa, tem novela nova começando e o BBB tá esquentando...