Seus olhos negros traziam luz; sua fé, esperança. Mentiria
se dissesse que não sinto saudade. Saudade daquilo que nunca aconteceu. Por
muito tempo pensei ser errado, mas ela – naturalmente – ensinou-me que não
existe certo ou errado. Há o conveniente e o inconveniente. E quantos momentos
inconvenientemente convenientes compartilhamos...
Arriscaria dizer que foram os melhores momentos que tive a
sorte de viver. Horas se passavam como segundos! Eu levava alguns chocolates,
ela os comia, mas era eu quem sentia a vida mais doce. Falávamos sobre o céu e
as estrelas. Comentávamos sobre literatura e MPB. Às vezes discutíamos sobre
política e religião. Futebol não, afinal torcemos pelo mesmo time.
Tudo começou como uma simples brincadeira, palavras afáveis
foram sementes de um sentimento estranha e assustadoramente forte. Um afeto que
nasceu calma e silenciosamente. Assim como a chuva rega uma semente, sua
presença embebia meu pobre árido coração. Assim como o sol traz calma após uma
tempestade, seus abraços me traziam paz. Uma paz nunca antes sentida. Uma
conexão que impressiona por sua força e ternura.
Uma relação em que as palavras e o contato se fazem
desnecessários. Quando duas almas se conhecem de outros tempos, todas as
convenções perdem sentido. Basta um olhar, um pensamento para o coração bater,
bater mais forte.
De todos os bens que ela trouxe, o que mais se destaca foi o
dom de voltar a acreditar na humanidade. Enxerguei nela a pureza e bondade que
acreditei por muito tempo não mais existir. Sim, ainda há seres humanos.
Pessoas de bom coração. Anjos que Deus coloca na terra em forma humana. Eu tive
a sorte de encontrar um.
Um anjo sem asas, de olhos negros, cabelos longos e sorriso
extremamente encantador. Mãos macias, apesar das constantes lutas. Olhos que
choram, mas nunca perdem a esperança e sempre enxergam um amanhã melhor. Suas
negativas são adoravelmente positivas. Seu sim é tácito. O que escancarado se
passa por subentendido.
A protagonista de uma história de dois personagens. Uma história
que sabemos como começou, mas torço para que não tenha um final feliz. Se eu
puder continuar a escrevê-la, não haverá final. A felicidade está em cada
entrelinha. Que os pontos finais terminem períodos de inquietação; que a única
coisa que nos separem sejam as vírgulas durante vocativos afetuosos. Que
exclamações exprimam apenas vultosa alegria. E que nossas orações a dois sejam
reticentes...
(1.11)