"Como é vão sentar-se e escrever se você não se levantou para viver!
(Henry D. Thoreau)"


quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Sonhos de um palhaço



Eu quero muito mais, muito mais vida, muito mais sorrisos, muito mais felicidade, muito mais de tudo um pouco. Quero a terra, o ar, o vento e o mar. Quero a distância infinita, compreender os mártires, as guerras, o ódio, a tristeza... Por mais distante que esteja minha ingênua errância ignorante, eu quero ser gente, e ser gente é outra alegria. Eu quero saber o nome da minha casa, eu quero navegar distante... Eu quero só para mim aquela marola desprezada, aquela prisão da fotografia. Eu quero a nudez de uma santa. Terra. Eu quero cultura, conhecimento, sapiência, astúcia, perspicácia. Quero ser aquele leão de fogo frio, aquela ave machucada, o cão sem dono, o gato mimado. Eu quero matar minha sede com as águas de março. Me afogar num copo vazio. É bem verdade que eu quero, quero e muito, assim como é verdade que eu não sei de nada, mas ter consciência de minha beocidade já é muito. Quero aquela aliança da infidelidade, a bala do assassino, a lágrima feliz que rola num rosto calmo. Eu quero tudo e todos, do meu jeito simples, sem trocadilhos ou metáforas. Quero a paciência de um oriental, o patriotismo de um americano, a fé de um nordestino, vodka de um russo e o charuto de um cubano. Talvez eu consiga um barquinho de papel que me leve aos meus sonhos, ou talvez eu pegue carona com um mosquito, quem sabe eu me deixe levar pelo vento que apaga uma vela. Mas eu só não quero ficar parado. Talvez eu vá para a Bahia, ou China. Guam seria uma ótima opção. Talvez eu compre uma passagem para outro planeta, ou galáxia e caia na fineza de um vestido de seda e perca o fôlego numa taça de Romani Conte. Hei de um dia chegar lá, eu não sei onde fica lá, mas não deve ser muito longe, porque muitos já chegaram lá. Mas e seu eu chegar lá e quiser voltar para cá, talvez eu mude de idéia e resolva conhecer outro lá e assim vai - um lá aqui, outro lá acolá e logo eu me cansarei, mas terei vários lás em minha coleção, e isso acho que seria bom. A alegria não entra nessa história, morreria sem conhecê-la se insistisse em persegui-la; como palhaço sei que a nossa alegria se esconde nos sorrisos alheios. Quero ter 79 filhos, 159 netos e 259 bisnetos, ou só um filho, um neto e um bisneto, mas quero que nenhum se esqueça de mim - um velho palhaço que sempre andou errante, distante e, apesar de tudo, conseguiu sorrir algumas poucas vezes. Um velho que viveu num mundo podre e mesmo assim conseguiu plantar uma rosa, vê-la crescer e desabrochar, sem nunca ter cortado seus espinhos. Um velho marciano, lunático, louco varrido que sempre enganou e se enganou, mas não por maldade e sim na melhor das intenções. Tocou guitarra, bebeu, chorou, gritou, correu e caiu, contudo sempre sonhou, sempre. Acho que sonha até hoje, esse é o seu maior dom. E ele agradece a Deus todos os dias, mesmo errando bastante, há álibis que amenizam suas penas e plumas. Ele caminhou sem lenço nem documento e descalço, sempre sonhando com um final feliz para tudo. Aprendeu com a vida, percebeu, talvez um pouquinho tarde, que a pureza é intangível. Sentiu na pele o peso do poder. Esteve algumas vezes por cima e outras tantas por baixo. Era heterozigoto, gene dominante e recessivo de nascimento. Este velho indigente talvez já tenha morrido, ou nem nascido ainda, mas se perpetuará no imaginário de todas as pessoas que um dia sonharão ou sonharam. Velho de poucos ou nenhum amigo, sua maior e fiel companheira - solidão - sempre o amou. O velho palhaço, no entanto, nunca amou ninguém e sempre acreditou que ganhara com suas escolhas. Se ganhara ou não, ninguém sabe, saber de tudo é querer demais. O velho aprendeu que conhecimento traz sofrimento. Mas apesar das adversidades, este velho caminha, nem sempre de cabeça erguida, pois o tempo não perdoa, é igual para todos, mas também não caminha de cabeça baixa, segue num meio termo, ora lá em cima, ora lá baixo. Acho que a terra agora chama este velho palhaço de volta, devem estar precisando sorrir, por isso o chamam. E ele? Ele claro que vai, é seu trabalho, seu destino, sua dádiva e sua maldição... Então mais uma vez ele, nos bastidores da vida, se fantasia, coloca sua peruca, pinta seu rosto, ajeita seu nariz vermelho, limpa seus sapatos de bicos enormes, pega emprestado mais uma vez um sorriso e sobe ao palco da vida, uma comédia de vida nada privada... O show começa novamente, as gargalhadas da platéia refletem um velho que esmola por sorrisos, seu único pagamento. Ele sorri também, claro, é um palhaço, embora saiba que a sua platéia é tão vazia quanto ele, uma platéia que paga por alguns instantes de diversão, para, talvez, fugir da realidade e pegar carona com esse velho louco. E assim a vida continua... Afinal, queriam ser todos risonhos e mal podiam se consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos...


(Goiânia, 23 de outubro de 2008.)

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