"Como é vão sentar-se e escrever se você não se levantou para viver!
(Henry D. Thoreau)"


sábado, 20 de fevereiro de 2010


Brigas... e Depois?
Santa Cruz, número 3 - 05/63

Eram meras questões de minutos.
E o encontro dos namorados mais parecia um duelo de ciúmes.
— Você chega sempre atrasado.
— É, sei.
E ontem, quem é que ficou aqui esperando, que nem um pateta?
— Ah, eu só atrasei dois minutos. Hoje você atrasou dez.
— Você é que chegou adiantada. Mas deixa que qualquer desses dias eu descubro o que você tanto faz, que nunca chega na hora certa.
E as discussões se sucediam, sem pé nem cabeça. Mas ciúmes são cegos como o próprio amor. São sentimentos mesquinhos, minuciosos, não esquecem a insignificância dos mínimos segundos. As batidas do coração jamais deveriam se escravizar aos tiquetaques desencontrados de dois relógios diferentes.A verdade, porém, é que eram ambos loucos, um pelo outro, e seus corações acabavam por se entender, num ritmo comum de compreensão. E as hostilidades descansavam invariavelmente em beijinhos e mil perdões.
— Desculpe, viu, amor?
— Que nada, meu bem, a culpa foi toda minha.
— Não, eu é que fiquei nervosa.
— Deixa disso, eu banquei o bruto.
Por pouco não voltavam a discutir.Assim correram muitos meses e muitas, muitas brigas, e os dois não chegavam a um acordo. Mas a vida tem dessas coisas. Quando se dá conta, a felicidade já é irremediavelmente retrato na parede, cartinha na gaveta, passando.Alguns anos mais tarde, ela se casava com um rapaz bonito, tipo galã da Metro. Viveram em harmonia, sem brigas, sem discussões, talvez por falta de imaginação do atlético marido.Por outro lado, o antigo namorado da adolescência não tardou a se apaixonar pelo lindo dote de uma mocinha que era um tesouro, filha de próspero industrial. Embora se tratasse de uma menina meio café-com-leite, sua herança lhe dava um quê de exótico. Alimentava por ela uma intensa, excêntrica paixão, enquanto que o bonachão rodava com seu Rolls-Royce, jogava em Monte Carlo e repousava em seu iate transatlântico. E numa atitude de misericórdia, suportava, geralmente, como um senhor onipotente, os carinhos milionários da esposa.Muito tempo depois, porém, por um desses acasos que só o destino sabe explicar, os dois antigos namorados se encontravam nas areias de Copacabana, que é a praia onde todos vão. Já não eram os mesmos. Ele parecia carregar os milhões matrimoniais na respeitável barriga. Ela continuava encantadora, mas apenas na medida que possa encantar uma mulher de cinqüenta anos. Conversaram pouco, o silêncio disse mais. E voltaram a se encontrar, com mais freqüência e menos acaso. Já eram, no entanto, velhos demais para as inflamadas e inúteis discussões dos dezessete anos. Caminhavam calmamente pela areia molhada, mão na mão, por mais ridículo que possa parecer para a sua idade. Caminhavam sem rumo, sem tempo, sem horizonte. E quando se voltavam, sentiam a nostalgia da vida perdida em poucos minutos.
(Chico Buarque de Holanda)
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Velho Chico, cheio de sapiência. Um texto que faz refletir acerca de nossas ações cotidianas. A máxima de que "a gente só dá valor depois que perde" faz, sim, sentido. Há, todavia, pessoas que, sabe-se lá por que, têm perspicácia suficiente, coragem e atitude para valorizar o presente. Talvez tenham, no passado, perdido algo (ou alguém) muito importante. Convivem, pois, com essa perda. Há um ditado que diz: " Um tropeço pode evitar uma queda". Uma perda pode significar um tropeço, não necessariamente uma queda. Ocorre, entretanto, que há quem se acostume com constantes tropeços - fato que descolori a vida, desalegra a alma e, pior, traz o sentimento de acomodação.
[...]
Não, eu não me resignarei diante às dificuldades. Hei de enxergar, então, possibilidades. Não cheguei até aqui por acaso. Se eu tiver uma chance, transforma-la-ei em vitória!
Eu tenho uma chance! Mãos à obra, portanto...
(Arataque, Fernando. )

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