"Como é vão sentar-se e escrever se você não se levantou para viver!
(Henry D. Thoreau)"


domingo, 18 de abril de 2010

Hodierno




Às vezes quando chego em casa, minha solião diz "boa noite", logo em seguida retiro todas as máscaras que usei durante o dia, sinto-me consideravelmente mais leve, acendo um cigarro, logo apago. Tenho fome, mas nem sempre como. A solidão me chama, finjo não ouvi-la, ela grita, então pego o telefone e passo algumas mensagens, antes, claro, recoloco algumas máscaras. Ligo a TV, quase sempre no mesmo horário, as notícias são as mesmas. A Campanhinha toca, é o tédio chegando, mal me cumprimenta, entra sem pedir licença e acomoda-se ao lado da solidão... às vezes conversamos durante horas; não gastamos, sequer, uma palavra. Olho no relógio, quase sempre na mesma hora, a consciência pesa, fico triste, o telefone toca - não é quem eu espero, fico tristão. Um triste consciente, pois sei que quem eu espero não irá me ligar. É um auto-engano, preciso dele para continuar a respirar. O corpo está cansado, a mente também. Resolvo tomar um banho, pego três toalhas, uso somente duas. Não gosto de roupas, é só mais um tipo comtemporâneo de máscara. O tédio cansa-se, diz "até amanhã" e vai embora. Acendo outro cigarro, observo a fumaça, a invejo, sai livre, sem rumo, logo desaparece... nunca mais a verei. Resolvo ir até a sacada, procuro estrelas, não vejo, o céu está poluído; e a lua, cadê? Ah, já ia me esquecendo que um dia eu a te dei. Olho a minha volta e nada vejo além de prédios vazios, escuros, somem no céu negro. Tenho vontade de sair por aí sem rumo, não posso!, a cidade é violenta. Lembro-me de alguns poucos amigos, sinto saudade da ignorância. Relembro o passado e sorrio, uma lágrima escorre. A última fumaça se despede... estou novamente só! Um amigo que já se foi me vem à cabeça, me pergunto "onde estará"? Sinto o gosto cheiroso da lágrima não mais solitária, as horas passam, já é quase hora de recolocar as máscaras, já estão velhas, cansadas, preciso trocá-las. A solidão me diz algo baixinho, sussura de novo, mas eu não consigo ouvir, então a chamo, ela vem sorrateiramente, enxuga minha lágrima, me faz um afago, diz que não é pra eu ficar assim, me abraça forte e, chorando, me diz "não chore, estou aqui, NUNCA VOU TE ABANDONAR". Nossa solidão nos consola. A solidão me olha nos meus olhos, elogia meu sorriso triste, me convida pra deitar, eu aceito. Durmo com três travesseiros, uso apenas dois... o sono não vem, deve estar ocupado. A solidão começa a contar histórias do passado, nos perdemos em meio a gargalhadas contidas... ela me conta sobre o futuro, fala bastante dele, tenho vontade de conhecê-lo, mas ao mesmo tempo tenho medo, ele parece ser tão incerto. Dizem que ele vem e vai embora e nem notamos. Algo bate à porta, é o sono, um visitante importante, quase nunca aparece. A luz ainda permanece acesa, olho para o teto, conto estrelas; olho para o lado, vejo grades, levanto e vou até o banheiro, escovo os dentes, olho ao espelho e nada vejo... nada... Então apago a luz... Vou me deitar, abraço a solidão, ela me aperta bem forte, muito forte... acho que, finalmente, dormimos, a noite é eterna... não há sonhos... nunca existiram!


Goiânia, 03/06/2008 01h38m

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